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Livro 01 Duas Vidas - 03


           O casarão da família Watanabe se mostrava majestoso durante aquela noite. As janelas e paredes de vidro fosco difundiam as luzes acesas, que indicavam que todos na casa estavam acordados, e o imenso jardim da frente parecia encantado, com as lanternas decoradas em cada uma das árvores e também em espécies de varais espalhados por todo o lado. Um lago artificial abrigava carpas que pareciam bailar sob o reflexo na lua. O lugar é maravilhoso. A casa construída em madeira e ferro, tinha algumas paredes revestidas com pedras, e pés de cereja rodeavam a lateral direita onde ficava o quarto de Mai.
           Mai se aproximou cuidadosamente da casa, se escondendo por entre os arbustos e árvores tomando cuidado para que ninguém a visse. Logo abaixo da Janela de seu quarto havia uma estrutura de madeira onde plantas trepadeiras cresceram e floriram. Com cuidado e o mais silenciosamente possível ela escalou o suporte, o seu vestido vez ou outra se prendia em pequenos galhos, e ela tomava cuidado com os espinhos que arranhavam suas mãos. Ela já estava acostumada com a dor, já que escapava e voltava quase todos os dias.
Ela entrou no quarto e ao verificar as horas se alarmou. 20:00 já estava tarde, ela já deveria estar se vestindo para a festa que estava sendo preparada no andar de baixo. Ela correu para ligar as luzes.
- Onde você estava?
Mai se virou de repente e pulou de susto. E viu sua mãe sentada de pernas cruzadas na poltrona de seu quarto. O olhar cortante da matriarca dos Watanabe impunha respeito e medo. Ela estava elegantíssima em seu vestido preto bordado com paetês vermelhos. Os cabelos grisalhos eram bem tratados e pareciam fios de prata entremeados a fios cor de chocolate presos em um coque banana enfeitado com uma jóia cor de sangue. Seu corpo era esguio e belo para alguém que chegava a casa dos 60, e seu ar de autoridade era o que mais assustava.
Ela olhou para Mai com desagrado e esperou uma resposta, enquanto apoiava uma das mãos em seu rosto e batia a ponta dos dedos da outra no braço da poltrona.
- Eu... Estava no jardim, respirando um pouco de ar puro. Não queria que ninguém lá embaixo me visse desse jeito. – Mai disse fazendo um esforço enorme para controlar a ansiedade.
- Jardim? Jura? Engraçado, porque a exatos cinco minutos atrás eu estava lá, e não vi um vestígio sequer de sua graciosa presença.
- Bem, era porque....
- Basta! – A senhora Watanabe disse incisivamente como se estivesse atirando uma faca. – Acha que sou estúpida? Eu sei que você sai por aí para se encontrar com aqueles seus amigos impuros. – Ela se levantou e foi em direção a Mai, que paralisada de medo não moveu um músculo - Bem, contanto que você não tenha posto o nome da sua família na lama não farei nada. Mas você sabe que a partir de hoje será apresentada com uma Watanabe para o resto do mundo, portanto você jamais poderá se aventurar com essas más companhias. Está me entendendo?
- Sim, senhora. – Mai disse e em seguida desviou o olhar.
A senhora Watanabe andou tranquilamente para a porta e antes de sair acrescentou:
- Se apresse e faça algo descente com esse seu cabelo horrível.
Ela pegou uma folha que estava presa no cabelo de sua filha e, como se fosse mágica, a folha pegou fogo e se tornou cinzas que caíram no chão polido, depois fechou a porta.
Mai sentou-se pesadamente na cama e respirou fundo várias vezes para tentar se acalmar. Seu rosto, que já estava um pouco inchado por conta das lágrimas de antes, agora ficavam ainda mais com  as novas lágrimas que teimavam em cair. A diferença é que as de agora eram de estrema raiva e revolta. Ela olhou para o cabide pendurado na porta do armário, onde estava seu vestido de noivado. Um vestido longo, tomara que caia, justo na parte de cima e solto a partir do quadril, que permita movimentos confortáveis e modelava seu corpo, cor de creme, bordado com rendas de mesma cor e cristais. Era um sonho para qualquer garota, mas para Mai era praticamente uma prova palpável da sua desgraça.
Ela se olhou no espelho viu uma moça com os cabelos desgrenhados e rosto triste. Digna de pena. Mas ela jamais iria se dar por vencida, não na frente de sua família e de seu futuro esposo, que era também seu primo. Ela foi tomar um banho. Mas ao invés de deitar em sua banheira apenas abriu o chuveiro e deixou a água quente cair sobre suas costas e tentando se recompor lembrou de Shiryu Shimizu. Como poderia esquecê-lo se estava justamente em contado com a água? A água era como o seu toque, aquecido por seu amor.
- Água e Fogo... Juntos sem se anular... – ela sussurrou para ela mesma.
Seu coração apertou e ela queria estar com ele de novo, longe desse pesadelo que sempre fora a sua vida. Mai sempre teve de tudo do bom e do melhor. A melhor escola, comida, roupas. Criados que lhe serviam em todas as suas necessidades, mas o que mais queria ela não havia recebido. Amor. E isso era o que lhe trazia um imenso vazio no peito. Desde criança ela percebeu a rejeição de seu pais, a preferencia deles em relação a seu irmão mais velho, Masaji, que sempre fora adequado e sempre correspondeu a todas as expectativas da família Watanabe.
Mai se lembrou da vez em que, aos 8 anos, brincava no jardim de casa, sozinha com suas bonecas quando seu irmão, com 13 anos, chegou e disse “Quer ver uma coisa super legal?”, e então ele pegou uma das bonecas e do nada fez ela queimar em suas mãos. As roupas o rosto e os cabelos da boneca queimavam e derretiam.  Mai ficou chocada e começou a chorar, pois aquela era uma de suas favoritas, foi o único presente que ela já havia ganhado de sua vó, e que naquele momento estava se perdendo para sempre. A risada de Masaji ecoava em sua cabeça enquanto ela gritava “não, não, não!”, mas seus pais não o puniram por ser tão cruel com Mai, e sim o parabenizaram por ele saber controlar tão bem seu poder de manipular e controlar o fogo. A única coisa que restou foi um fita azul marinho que ela havia ganhado junto com a boneca e que usava em seus cabelos.
Mai saiu do banho e se enrolou na tolha, enxugou seus cabelos cor de chocolate que batiam em sua cintura, se olhou no espelho e observou seus olhos cor de caramelo que agora estavam menos inchados. Ela foi até o quarto, se vestiu e se maquiou. Escovou cuidadosamente cada mecha de seu cabelo e os prendeu em um coque que lembrava uma rosa, deixou mechas soltas nas laterais. E ao se olhar pronta no espelho viu uma moça deslumbrante. Ela estava linda, mas faltava algo. Ela abriu a gaveta de sua penteadeira e tirou dali um caixinha onde havia guardado a fita azul e uma foto, já meio amarelada, onde estavam sua vó, ela e a boneca que Masaji destruiu. Ela amarrou a fita nos cabelos e olhou confiante para si mesma, como se a lembrança a tornasse mais forte.
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Livro 01 Duas Vidas - 02


Na sala havia cerca de 15 pessoas sentadas em volta da mesa branca central, médicos que discutiam um assunto delicado e preocupante que afetaria toda a comunidade a qual serviam. As paredes altas da sala de reunião eram brancas e seis grandes lâmpadas clareavam o ambiente, que por medida de segurança não tinha janelas.
Pode parecer estranho uma sala dentro de um hospital não ter janelas (exceto a de cirurgia), uma vez que se houvesse qualquer emergência escapar seria complicado. Porém essa era uma sala secreta no prédio hospitalar que ficava no meio da cidade onde se reuniam somente os profissionais que cuidavam dos Herdeiros do Poder.
- As estatísticas não deixam mentir. A mortalidade das crianças Herdeiras aumentou!  - Disse seriamente o mais velho dos doutores que lá se encontravam. – O número de Precoces também aumentou. Tem alguma coisa muita errada acontecendo.
- E o que poderia ser doutor? Não podemos controlar quem vai manifestar seu poder precocemente. – Disse o chefe da equipe de pediatria.
- Na verdade podemos estimar. – manifestou-se o chefe da equipe de obstetrícia.
- Explique-se melhor doutor Yoshio. – O mais velho deu-lhe a palavra.
- Todos nós sabemos que os Herdeiros do Poder não são seres humanos comuns. Não são vulneráveis a doenças essencialmente humanas como a gripe, a dengue, a varíola entre outras, certo?
- Certo.
- Pois bem, nós temos em nosso DNA genes que turbinam nossa força vital e nos permitem desenvolver habilidades sobre-humanas, desde ter o especial dom para cura através de fluidos energéticos como controlar os elementos puros da natureza.
- Todos já sabemos disso, aonde o senhor pretende chegar? – O chefe da odontologia manifestou-se.
- Não se apresse meu colega. Aonde quero chegar é que no começo de nossa história éramos capazes de controlar somente os quatro elementos básicos da natureza: Fogo, Terra, Água e Ar. Bem, foi a mistura genética deles, mais a vulnerabilidade humana que nos gerou milhões de outros tipos de habilidade e fez com que os poderes puros se tornassem cada vez mais raros. Conferem?
- Sim.
- A maior quantidade de casos de Herdeiros menores de 13 anos a manifestarem seus poderes antes de seu corpo estar pronto são justamente aqueles cujos pais pertencem a linhagens puras ou que tiveram pouca mistura com humanos comuns.
A sala ficou silenciosa por instantes, os doutores refletiam sobre as palavras do Doutor Yoshio e constataram que isso era uma verdade.
                - Isso quer dizer que as famílias tradicionais estão na faixa de risco?
                - Não exatamente.
                - Mas o senhor disse que crianças filhas de Herdeiros do Poder com a descendentes próximos as raízes corriam riscos. Estou enganado?
             - Não, porém isso é muito simplista. O que constatei em minha observação é que o número de Herdeiros capazes de controlar os elementos principais é cada vez mais escasso devido a mistura com outros poderes derivados ou a vulnerabilidade humana. Minha teoria é de que os genes puros estão se manifestando antes a fim de sublimar qualquer manifestação de uma habilidade derivada que possa mudá-la e leva-la a extinção.
              - Isso tem e não tem lógica. Como o senhor chegou a essa conclusão? – O chefe geral do hospital olhou atentamente para o doutor Yoshio que se levantou antes de continuar seu discurso.
            - Pensem comigo. O mundo precisa de equilíbrio e o equilíbrio dos Herdeiros do Poder. No começo era apenas um Homem que controlava todos eles. Cada um de seu filhos recebeu uma das habilidades, todos esses filhos tiveram uma mesma quantidade de filhos que receberam os poderes puros. A mesma quantidade, o Equilíbrio. Ele está se desfazendo. Os Watanabe perceberam isso e crio que seja por isso que na família do Fogo não existam precoces. Eles se mantém concentrados em proteger o elemento do fogo. Já as outras famílias tem se separado e isso está acabando com o Equilíbrio.
                - Quer dizer que o senhor concorda com o incesto ao qual a família Watanabe se submete?! – O chefe da Endocrinologia levantou um tanto alterado.
                - De forma alguma, a família Watanabe tem sérios problemas, vocês sabem que eles pensam que tem direito de mandar em todos apenas por serem formados apenas de Herdeiros Puros. Apenas disse que isso é a causa de não existirem Precoces do Fogo.
                - Mas então o que faremos para manter o equilíbrio?
            - Uma solução é incentivar Herdeiros puros a constituírem família entre si, de preferencia com pessoas do mesmo dom. Água + água, Ar + Ar, Terra + Terra.
- Mas, isso levaria a extinção dos poderes derivados que surgem justamente da mistura entre eles. – Disse o chefe da pediatria.
- Mais do que isso, iria forçar a separar casais. Não é ético ir contra a vontade das pessoas. - Falou o Psicólogo.
- Então podemos arriscar em um campo até hoje mal explorado. - Diante do silêncio e da atenção que os doutores prestavam à Yoshio ele declarou - Clonagem!
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Livro 01 Duas Vidas - 01

O sol se punha no horizonte e as sombras das árvores já começavam a se mesclar com o chão, cada vez menos iluminado. As luminárias do parque começaram a acender, indicando que já devia ser umas 19h.

- Eu te amo – Shiryu olhou apaixonado para Mai e a beijou longamente.
- Eu também te amo.
- Mal posso esperar para nos vermos mais tarde. – Shiryu disse enquanto a abraçava.

Mai retribuiu o abraço se agarrando nele com todas as forças. Milhões de pensamentos passavam em sua cabeça e ela daria tudo para esquecer.

- Não posso. Coisas de família – Disse com a cabeça afundada na camisa de seu namorado.
- E “ele” vai estar lá?
- Sim. – Eles se olharam nos olhos – Eu não queria que tivesse que ser assim.
- Tudo vai ficar bem, vamos dar um jeito. – Shiryu disse pegando as mãos de sua amada e a olhando nos olhos.
- Que jeito? Tenho que me casar com ele por obrigação.
- Não deixarei isso acontecer!
- Se tentarmos algo meu pai acha uma forma de acabar com você.
- Eu não tenho medo do seu pai. Eu virei mais tarde e o convencerei anular esse casamento. Custe o que custar.
- Vir a minha casa? – Mai se surpreendeu e se afastou dele rapidamente – Não, eu resolvo isso sozinha!
- Calma, não precisa ficar nervosa. – Shiryu estava um pouco aturdido com a reação dela. – Seus pais já devem saber que estamos saindo, duvido que eles não tenham visto meu carro pela janela quando te deixo lá.
- Não, eles não sabem.

 Mai olhou séria para Shiryu. Seu corpo se arrepiou e ela quase sufocou com o sentimento de culpa. Ela sabia que uma hora a verdade viria a tona, não importa o quanto ela protelasse.

– Eles... não moram lá. Eu não moro lá. – Ela quase sussurrava.
- O quê? O que está dizendo? Você está bem?– Shiryu olhou para Mai que estava visivelmente nervosa.
- A verdade é que eu menti para você. – Mai desviou o olhar.
- Mas o quê? Do que é que você está falando? – Shiryu se aproximou e tocou levemente no rosto de Mai para que ela olhasse novamente para ele.
- Eu menti... Eu escondi a verdade de você.
Ela olhou para ele e viu a confusão em seus olhos. Ela sentiu a garganta fechar e achou que não fosse capaz de falar mais nada. As lágrimas já começavam a se acumular.
- Eu...eu... – Ela não conseguia falar.
- O que foi? Mai, por favor, me diz o logo o que está acontecendo! – Shiryu pôs as mãos nos ombros dela e mirou em seu olhar, visivelmente preocupado.
- Eu sou uma Watanabe! – Ela disse de uma vez.
Os dois ficaram em silencio por alguns segundos, que para Mai pareceram eras.
- Uma Watanabe... Uma “daqueles”? – Shiryu olhou para ela desconcertado. – Não, não pode ser isso só pode ser brincadeira!
Ele soltou os ombros dela se afastou e começou a rir. Uma risada nervosa.
- Você tá brincando né? – Ele olhou pra Mai e percebeu que ela não conseguia olhar pra ele. – Como assim... Isso faz de você uma...
- Herdeira. – Ela olhou para ele e as primeiras lagrimas desceram. - É, exatamente.
- Quer dizer que esse tempo todo... – Shiryu tentava se conter, mas aquilo não entrava facilmente em sua cabeça. – Por quê?
- Quando nos conhecemos... Eu não queria que ninguém soubesse, eu tinha que me proteger! Se meus pais soubessem que eu não estava em casa... Bem, você sabe quem eles são.
- Sei. – Shiryu ficou calado durante mais um tempo. – Mesmo assim eu não entendo porque você escondeu isso de mim.
Mai se aproximou, mas ele recuou.
- Eu não tenho poderes. Sou filha de Herdeiros, mas mesmo assim até hoje não consigo criar ou manipular uma mísera chama. Eu sou o ponto fraco da família, se alguém soubesse que eu existo eles simplesmente arrumariam meios de calar essa pessoa. – Ela respirou fundo e continuou -Na noite que fomos ao lago eu ia te contar, mas foi quando você me contou o seu segredo. Eu não imaginava que você fosse um Herdeiro.
- E você não disse nada mesmo assim? Muito conveniente não é? – Shiryu disse com rancor.
- O quê?
- Eu te contei tudo. TUDO! Meus medos, meus planos. Pus minha família, meus amigos e minha cidade em perigo! Deixei você me fazer de idiota. – Ele gritou com ela. – Ninguém sabe que os Watanabe tem uma filha. Quem me garante que você não se aproximou de mim para captar informações para sua família?
- Não. Eu jamais trairia sua confiança desse jeito. Eu não disse nada para ninguém, eu juro!
- Você jura? Você mesma acabou de admitir que mentiu pra mim esse tempo todo! Você é uma Watanabe, e é isso que vocês fazem. Mentem e manipulam para conseguir o que querem!
-Não, não. Eu nunca quis fazer nada contra você. Se minha família soubesse você não estaria vivo aqui na minha frente!

Mai caiu de joelhos no chão soluçando e pôs as mãos no rosto.
Shiryu se apoiou em uma árvore e se deixou cair com as costas na árvore. Ele estava confuso. E ver Mai tão desesperada o fez chorar também.

- Eu sou um estúpido!
- Não é. – Mai engatinhou até ele, pôs uma das mãos no rosto dele e olhou fundo em seus olhos. – Eu não queria... eu não quero perder você.

Ele viu a sinceridade nos olhos dela. Aqueles olhos castanhos claros de onde tenras lágrimas caiam copiosamente.  Eles ficaram calados por alguns minutos. Shiryu não sabia o que dizer e nem o que pensar. Quanto mais ele a olhava, mais ele não conseguia sentir raiva ou mágoa, muito menos ódio.  Shiryu a tomou nos braços e a abraçou forte.

- Eu não vou perder você. – Ele falou antes de beijá-la mais uma vez.

Os dois ficaram assim até o sol se pôr completamente.

CAPÍTULO 02
 
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